Canto do Inácio

Monday, May 10, 2010

CINEMA POPULAR GANHA NOVA CHANCE
INÁCIO ARAUJO

Como o mundo não é perfeito, a passagem de John Woo de Hong Kong para Hollywood se fez acompanhar de fantasmas que, desde os anos 20, atormentam os cineastas que migram para os EUA: são chamados por causa do que fazem em seus países de origem, mas nos EUA são impedidos de fazer o que faziam.

É difícil dizer o que há de definitivamente bom ou mau nesse sistema. Impedido de produzir em plena liberdade, John Woo conseguiu, em "A Última Ameaça", realizar quase um "revival" daquelas fabulosas aventuras clássicas americanas: era límpido e dotado de um talento que, hoje, os realizadores norte-americanos relutam em mostrar.

Seu trabalho mais recente, "A Outra Face", representou um retorno à plena liberdade. É um filme muito parecido, de certo modo, com os policiais que realizava em Hong Kong, e ali o enfrentamento entre dois homens (John Travolta e Nicolas Cage) consiste em uma tortuosa viagem interior -de ambas as partes- e no reconhecimento da profunda identidade entre os dois inimigos.

A diferença é que dessa vez Woo desenvolveu o tema usando, a seu favor, toda a tecnologia hollywoodiana, o que não é nada pouco. O resto corre por conta de seu talento, de uma imaginação sem rédeas.

É magnífico, sem dúvida, embora possa parecer muito próximo, por vezes, dos policiais que fazia em Hong Kong, e que o revelaram como cineasta de interesse mundial.Mesmo em "O Alvo", seu primeiro filme norte-americano, Woo tinha como desenvolver seu senso coreográfico raro: as lutas de Van Damme, ali, são possivelmente as cenas que mais lembram os grandes musicais da Metro dos últimos anos, pelo colorido, pela intensidade, pela graça.

Primeiro time

Mesmo levando em conta os percalços que um realizador estrangeiro encontra nos EUA -incluída a adaptação a outro país-, Woo hoje é um cineasta que se distingue e pode ser incorporado ao primeiro time da América.

Ninguém representa hoje, mais do que ele, esse anacronismo que é o cinema popular.Isso se deve, em parte, de o cinema de Hong Kong ser eminentemente popular (lá a média de frequência per capita de espectadores aos cinemas é das mais altas do mundo), o que é um tanto diferente do cinema de massas que, há duas décadas, domina Hollywood.

Os resistentes da América (Coppola, Scorsese, De Palma e alguns mais) estão cada vez mais acossados. John Woo representa um sopro novo de criatividade no cinema norte-americano. Espera-se que o cinema dos EUA saiba aproveitar.

(texto publicado na Folha de S. Paulo do dia 19 de setembro de 1997)

1 Comments:

  • Música para os olhos.No fundo tudo é ritmo.

    By Blogger jose, at 7:54 AM  

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