Canto do Inácio

Wednesday, December 27, 2006

NOTAS
INÁCIO ARAUJO

1) Salas vazias

Está difícil ir ao cinema nos últimos tempos. Pelo jeito, não sou só eu que pensa assim. Até nos sábados à noite anda fácil conseguir lugar.
Não tem essa de concorrência do DVD. Os filmes andam insuportáveis. É preciso muita boa vontade, muita condescendência, para gostar de "O Amor Não Tira Férias" ou o filme do Ridley Scott. Nem esses filmes infantis de férias entram em cartaz. Nem nacionais. Nada.
Enquanto isso, os estúdios seguram o filme do Clint (magnífico) e o do Paul Verhoeven. Não sei o que querem.

2) Manoel Rangel

Se vai dar certo, a gente não sabe. Mas gostei da entrevista do Manoel Rangel à Silvana Arantes na Ilustrada.
Ele não faz um bolo só juntando cinema e mercado. Discrimina as duas coisas. Sabe que precisa de mercado. Mas sabe que este não tem nada a ver, necessariamente, com a arte, a que nós amamos.
Como mover essas duas naturezas ao mesmo tempo num país pobre, não faço idéia. Espero que ele saiba bem sabido.
Olha, faz uns anos, a Rosário Caetano viu o Manoel num congresso de cinema ou algo assim e o saudou como um líder da geração. Acho que acertou em cheio. E torço, porque tem muita coisa torta nessa área.

3) Curso, ano 9

Gente, começa em fevereiro meu curso "Cinema - História e Linguagem". É o nono ano. Quem estiver interessado, as informações estão no site:
www.mnemocine.com.br/inacioaraujo
Lá tem o detalhamento aula por aula, dias, horários, preços, local, telefone.
Estarei fora por uns dias, mas pode deixar recado por telefone ou e-mail que respondo.

Abraço aos amigos e até 2007.

Sunday, December 24, 2006

O CEU DE SUELY
INÁCIO ARAUJO

Estranha, minha relação com esse filme. Enquanto via, aquilo tudo me aborrecia profundamente, especialmente a percepção de que nada ia para parte alguma.
Já me agradavam muito as atuações e sobretudo certos diálogos, entre Suely e a tia em especial. Me desagradavam certas imagens muito pintadas, muito estetas.
Depois que o filme terminou, a impressão melhora progressivamente. Esse mundo de pura superfície em que vive a personagem, essa garota pobre que troca de roupa a cada cena, esse fim de mundo invadido consumo, o provisório das experiências, sua falta de consequência, esse Nordeste tão distante de nossos clichês de Nordeste.
Enfim, tirando essas imagens muito pintadas, como aquele posto de gasolina que parece saído de um videogame, hoje o filme já me parece muito mais interessante.
Qualquer dia talvez eu consiga achar fantástico, como quase todo mundo.

O que continua a me incomodar no filme é a sensação de que ele não é feito com as pessoas, mas que elas são objeto do filme, de uma reflexão. Elas existem para o filme, não para si.

Isso para mim é o correlato, em termos de construção dos personagens, a essas imagens um tanto "recherchées" do filme.

Tuesday, December 19, 2006

O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS II
INÁCIO ARAUJO

O que eu mais gosto no filme do Cao Hamburger é da sinceridade.
Ele não fez o filme fazendo cálculos de quantos espectadores iria atrair com tal assunto, com tal época, com tal ambiente. Fez porque aquela história lhe dizia algo pessoalmente e me parece até que intimamente.

Paulo Pasta observou que os diálogos são horríveis. Em parte, são mesmo. Muita coisa falsa, na boca do menino em particular.

É um filme da norma, desses que vão dar bom público, o que de vez em quando é necessário, mas que, à parte erros e acertos, não se torna indigno por isso, nem bajula o público ou coisa assim.

Outra coisa muito boa é a direção de arte, assim como a idéia de trabalhar com velhinhos judeus, em vez de gente que finge ser velhinhos judeus.

Dizem que parece filme argentino. Não sei. Há filmes argentinos de vários tipos. Será que parece o "Kanchatka"? Esse eu achei um pé.

Wednesday, December 13, 2006

DÁLIA NEGRA
INÁCIO ARAUJO

Filme desprezado. O público acha que o roteiro é confuso. Isso porque as pessoas não viram "The Big Sleep". Há quem ache a Scarlett Johansson um maneirismo só. Isso porque não conheceram Lana Turner, que é o modelo dela no filme. E há quem não veja encanto em certas cenas. A mim, ao contrário, aquela grua que passa sobre o prédio para encontrar um cadáver no fundo é espetacular (e não um preciosismo à toa). A cena da morte no alto da escada, é soberba.

Me parece que Brian de Palma trabalha muito bem essa passagem de um cinema verdadeiro, crível (o clássico), ao cinema contemporâneo. Tem de buscar a verdade na insânia, não mais no código. Beleza.

Sunday, December 10, 2006

TONACCI
INÁCIO ARAUJO

Agora, ninguém se engane. Filme filme mesmo é "Serras da Desordem". Para mim é o melhor brasileiro desde "O Viajante".

Saturday, December 09, 2006

O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS
INÁCIO ARAUJO

Eis aí um filme normal, isto é, um filme que cumpre as normas. Reconstitui uma época decentemente, é sincero, não se perde pela direção de arte, o elenco não faz feio.
É basicamente um "filme de assunto", quer dizer, tem que ostentar um assunto "sério" (a repressão durante a ditadura miliar), porque senão perde respeitabilidade. E cinema brasileiro sempre corre atrás de respeitabilidade, sabemos.
Tudo colabora para o sucesso. é preciso fazer uns sucessos de vez em quando e tanto melhor se for decente, se for passível de ser distribuído pela Globofilmes, sem ser submetido à Globofilmes.

De tudo, para mim o mais importante é que seja sincero. Ou seja, o Cao Hamburger queria fazer esse filme para dizer algumas coisas, não porque achava que ia ser sucesso ou que era "um caminho para o filme brasileiro". Isso não funciona. Vide "O Castelo Rá-Tim-Bum", que é uma chatice.

Thursday, December 07, 2006

SUELY CÉU E INFERNO
INÁCIO ARAUJO

Karin Aïnouz não é nenhum incauto. Dirige bem seus atores, trabalha-os cutucando atuações tão espontâneas que, em determinados momentos soa puro improviso, algo que vai se construindo à nossa frente.

Aïnouz sabe bem o que quer. Hermila ou Suely está longe do clichê da nordestina desvalida, retirante, sofredora. Muda de roupa uma vez polr cena. Nunca as repete. Seus olhos brilham no mercado. Ela sai com o cara da moto.

Quando o marido a passa para trás, Hermila não se aperta: troca de roupa e rifa a si própria. Vende "uma noite no paraíso", como diz.

Muito bom abandonar os velhos clichês do Nordeste. Mas a substituição leva a quê? Esse cinema da epiderme (ou da constatação da existência epidérmica) sofre de expor vaziamente o vazio dos personagens. Substitui o vazio por estética, imagens que parecem não raro fotos coloridas, compostas com muito cuidado, mas, não sei, pessoalmente não me dizem nada.

Fico por fora. Outros vibram. Me parece um pouco o culto da forma. Isso já havia acontecido com Madame Satã. É respeitável, Karim Aïnouz evidentemente procura alguma coisa. Apenas eu acredito que não tenha encontrado. Como a personagem, parece que troca de roupa para rodar cada nova cena. Quem quiser que goste. Pra mim é um inferno.

Monday, December 04, 2006

CRITÍCA 3
INÁCIO ARAUJO

O Eugenio Bucci disse, no primeiro dia do seminário, uma coisa com a qual não estou de acordo. Ele disse que é mais importante escrever sobre filmes brasileiros porque eu posso influenciar quem fez o filme. Mas um diretor americano está se lixando para o que eu digo.

É verdade.

Mas por que eu quereria influenciar um diretor, brasileiro ou não? A crítica me parece uma conversa. Eu posso conversar sobre Kafka, embora ele esteja morto e seja ininfluenciável, e ser uma conversa agradável.

E não seria uma arrogância muito grande eu ter a pretensão de dizer ao Tonacci ou ao Giorgetti ou ao Diegues o que eles devem fazer? Ou no que eles erraram? Garanto que eles sabem o que fizeram.

Há os que não sabem. E nesse caso não há de ser um escrito que dará jeito na coisa.

Sunday, December 03, 2006

A CRÍTICA 2
INÁCIO ARAUJO

Eu só dirigi um filme de meia-hora na vida. Quando ele foi passar, há alguns anos, o colega que o comentou para a Folha escreveu uma crítica constrangida. Não gostou nada, mas não queria dizer que não gostou.
Do meu ponto de vista pensei: ele não entendeu patavina.
Em vez de brigar com ele, ou fechar a cara, ou outra atitude hostil, eu escrevi um e-mail com as minhas discordâncias.
Ele não deve ter mudado de opinião, não importa, mas acho que se deu conta de que o filme de que estava falando não era bem aquilo que ele estava pensando.

Para resumir: ele repetia em linhas gerais a idéia de que um filme com mulher pelada tem que ser ruim. Não sei porque se acredita nessas coisas no Brasil. Mulher pelada (a menos que seja constrangidamente): filme ruim. Tortura: filme bom. Mas a mulher pelada era, digamos, a convenção do gênero. É a mesma coisa que criticar um faroeste porque tem revólver. Não é isso que define o que se fez, independente de ter saído bom ou ruim.

O que eu quero dizer com isso? Que quando um crítico diz uma besteira sobre um filme deve ser muito chato para o diretor. O Sganzerla, por exemplo, não perdoava nem as besteiras elogiosas.

O fato é que estamos sujeitos a errar, ou seja, a enxergar menos do que devíamos. Menos do que o mínimo, digamos assim.

Por outro lado...

Na platéia existia ao menos um diretor. Ele fez um filme que não recebeu críticas. Então, encomendou um texto a um crítico. Diz que queria uma avaliação sobre o que tinha feito.

É uma coisa humilde, sem dúvida. Mas, caramba, fico pensando: será que o rapaz não sabe o que fez?

Friday, December 01, 2006

A CRÍTICA
INÁCIO ARAUJO

Interessante o seminário da crítica que houve no Festival de Brasília.
Não sei se tão interessante pelo conteúdo do que pelo simples fato de existir. Ou seja, é bom que se comece a falar dessas coisas.
Quanto ao conteúdo, vamos tateando. Basicamente, todas as pessoas que estiveram lá em cima tinham algo a dizer que me instruía ou me ajudava a refletir sobre certos problemas nossos.

A Maria do Rosário, organizadora, ativíssima como sempre, acho que chamou a atenção para o fato de que quase não havia realizadores ali. Na verdade, me parece que os realizadores pouco se lixam para a crítica. O que eles querem, basicamente, é que falem bem de seus filmes na época do lançamento. Talvez estejam certos. Mas a crítica continua uma questão, quando mais não seja para os espectadores.